Minha presença afetiva e profissional no campo da cultura na Bahia e o meu particular interesse em entender a função, o papel e a importância da cultura para os africanos e afrodescendentes sempre foi uma fonte de curiosidade e indagações.
Essas indagações passaram para o terreno das preocupações quando fui ser diretor do Grupo Cultural Olodum e mais ainda quando fui dirigir a Fundação Cultural Palmares nas gestões dos ministros da Cultura Gilberto Gil e Juca Ferreira.
Isso porque, tanto o Olodum quanto a Fundação Cultural Palmares sempre tiveram como eixo das suas ações o uso da cultura para a inclusão plena dos negros na sociedade brasileira.
No caso da Bahia, a cultura não só tem dado régua e compasso para muitos baianos, como também tem dado o pão de cada dia e o conforto para a alma numa cidade tão desigual como a nossa, Salvador.
Só para ficar num único exemplo: o acarajé, considerado patrimônio cultural baiano e brasileiro, não é apenas delicioso e adorado por turistas e estrangeiros. Essa iguaria é responsável pela difusão da tradição religiosa do Candomblé, assim como pela geração de emprego e renda para mais de 300 mil pessoas da cidade do Salvador.
É tão forte culturalmente, que até mesmo os neopentecostais andam querendo surrupiar a origem dessa iguaria, apelidando-a de “bolinho de Cristo”, para assim auferir lucros.
Talvez por conta dessa força que a cultura negra carrega, três grandes indagações sempre me acompanham nessa minha trajetória.
A primeira – por que por meio da cultura e não da educação, da economia ou da justiça, se deveria promover a articulação dos variados campos e das variadas dimensões da vida, para a inclusão plena do negro na sociedade brasileira?
A segunda – por que o movimento negro brasileiro e seus aliados definiram a cultura como espaço estratégico para a luta de combate ao racismo e a promoção da igualdade?
A terceira – será que as políticas públicas de cultura estavam cumprindo com a missão de combater o racismo e de criar as condições mínimas para a promoção da igualdade e a inclusão dos negros/as no Brasil?
Com o passar do tempo, a minha participação nas atividades culturais na Bahia e as oportunidades de contato com as mais diversas e distintas comunidades negras no Brasil e no exterior, particularmente na América Latina, passei a perceber que o grande elo que une os afrodescendentes ao redor do mundo, seja na luta ou no lúdico, é a cultura.
É a cultura que tem nos feito gente!
Afinal, foi o que nos restou para que pudéssemos sobreviver com o mínimo de dignidade diante dessa tragédia monumental e transatlântica chamada de escravidão.
Portanto, defender a cultura e, em particular, a cultura negra enquanto política pública e exigir dos poderes públicos que a tratem de forma digna, é muito mais que um dever, é uma obrigação. Aliás, a Bahia e, particularmente, Salvador, devem muito da sua singularidade, pluralidade e riqueza cultural, exatamente à cultura negra.
Até porque, para a negritude baiana, a cultura é muito mais do que um espetáculo. A Cultura é nossa ARTE DE VIVER.
Toca a zabumba que a terra é nossa!
OPINIÃO
O texto que você terminou de ler apresenta ideias e opiniões da pessoa autora da coluna, que as expressa a partir de sua visão de mundo e da interpretação de fatos e dados. Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Umbu.
Parabéns pelo artigo Zulu, muito da nossa consciência negra, está impregnada com as ações culturais advinda da nossa comunidade Negra, fazendo com que a cultura se tornasse o instrumento de luta e conscientização.
Quem sou eu para não reconhecer o valor da análise do arquiteto Zulu Araújo? Mas vendo empiricamente, noto que o povo negro conquistou mais do que a cultura proporciona. Temos na política excelentes “quadros” negro, com papel mais que significativo