Eventos em Salvador celebram a importância da data
“Visibilidade” é a palavra-chave que atravessa a história de luta LGBTQIA+ no Brasil. Nem nos momentos mais violentos e autoritários, como a ditadura militar, houve silêncio, covardia, inércia. Nas tentativas de formar encontros nacionais entre 1959 e 1972; na criação do Grupo Somos e dos jornais Lampião da Esquina e ChanacomChana, em 1978; no levante de lésbicas do Ferro’s Bar em 1983 e na pressão de anos para retirar a homossexualidade do rol de doenças, concretizada em 1985, houve protagonismo, mobilização e luta.
Com esse histórico, chama a atenção que a principal data de celebração da população LGBTQIA+ no país seja o 28 de junho, que faz referência a uma revolta ocorrida em 1969 na cidade de Nova York. Na ocasião, frequentadores do Stonewall Inn, um dos bares gays populares de Manhattan, reagiram a uma operação policial violenta, prática habitual do período. A resistência virou um marco do movimento LGBTQIA+ por direitos nos Estados Unidos (EUA) e passou a ser comemorada em muitos outros países, incluindo o Brasil, como o Dia Internacional do Orgulho LGBT+.
Pesquisadores e ativistas ouvidos pela reportagem da Agência Brasil entendem que a revolta em Nova York virou um símbolo internacional muito mais pela força geopolítica e cultural dos Estados Unidos, do que pelo fato de ter sido o principal evento do tipo no mundo.
“As datas podem e devem ser celebradas. Mas nem tudo começa em Stonewall e nem tudo se resolveu lá. São muitos outros episódios que precisam ser lembrados para que a gente tenha uma memória mais coletiva, plural, democrática e diversa sobre as lutas da comunidade LGBTQIA+”, explica Renan Quinalha, professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente do Grupo Memória e Verdade LGBTQIA+, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).
“A gente acaba tendo aí uma força do imperialismo norte-americano cultural. Isso invisibiliza alguns marcos domésticos, nacionais, que a gente precisa celebrar também como avanços, conquistas e referências de memória nessa construção política da comunidade”.
Para a historiadora Rita Colaço, ativista LGBTQIA+ e diretora-presidente do Museu Bajubá. é preciso olhar menos para os EUA como referência e valorizar elementos próprios do movimento brasileiro.
“O mito de Stonewall vai sendo construído a posteriori. Se você pega a imprensa brasileira, faz uma pesquisa na hemeroteca da Biblioteca Nacional, não tem nada, não se fala disso. Até nos anos 70, no final dos 70, quando chega o Lampião, você não vê Stonewall com essa referência toda, com esse peso todo que ele vai adquirindo nos anos seguintes”, diz Rita. “Para ser fiel à história, não se pode dizer que Stonewall foi a primeira revolta, nem que deu início à luta pelos direitos LGBT. Isso é uma inverdade nos Estados Unidos e no mundo”.
“Então, a gente precisa se apropriar do nosso passado, do nosso patrimônio, dos nossos registros, dos nossos vestígios, dos nossos acervos, reverenciá-los, se orgulhar deles e lutar para que eles sejam salvaguardados, restaurados, preservados, para que as nossas datas, as datas das nossas lutas sejam rememoradas, sejam dadas a conhecer. É esse trabalho que eu, junto com vários outros pesquisadores pelo Brasil adentro, venho fazendo, procurando sensibilizar as pessoas para a importância da nossa história”, complementa Rita.
Mobilização nacional:
Mesmo pensada a partir da ideia de processo histórico, a construção do movimento LGBTQIA+ brasileiro é fenômeno complexo, que envolve um conjunto grande de acontecimentos e realizações. Alguns se destacam pela repercussão e capacidade de inspirar outros grupos.
“O processo de construção da consciência política, do segmento que a gente chamava há pouco tempo de ‘homossexualidades’, e agora cada vez aumenta mais o número de letras, é muito antigo. Esse movimento de construção da identidade e da necessidade de se organizar remonta ao final dos anos 1950. Depois, vai se consolidando com a imprensa alternativa, que eram aqueles boletins manuscritos. Os grupos se organizavam em torno de festas, brincadeiras, e a partir desses boletins eles foram refletindo sobre sua condição, divulgando textos de livros, peças teatrais, filmes, acontecimentos no exterior, a luta na Suécia, a luta na Inglaterra contra a criminalização da homossexualidade. Então, essas notícias, eles replicavam para os grupos por meio desses boletins”, diz a historiadora Rita Colaço.
O pesquisador Luiz Morando destaca as tentativas de organização de encontros nacionais de homossexuais e travestis entre 1959 e 1972. As principais ocorreram em Belo Horizonte, Niterói, Petrópolis, João Pessoa, Caruaru e Fortaleza.
“Os organizadores daquelas tentativas de encontros, de congressos, eram surpreendidos e presos pela polícia para serem fichados e impedidos de continuar os eventos. Dá muito mais orgulho pensar nesse processo histórico e na formação de uma consciência política ao longo do tempo”, diz Luiz Morando.
Eventos que reuniram mais de uma bandeira de luta dos grupos marginalizados também foram importantes pela capacidade de diálogo e transversalidade.
“Tivemos um episódio fundamental, que considero o primeiro de mobilização convocada e feita pela população de maneira mais consciente e politizada, que é o 13 de junho de 1980. Ficou conhecido como Dia de Prazer e Luta Homossexual, uma manifestação contra a violência policial.“
“Tivemos um episódio fundamental, que considero o primeiro de mobilização convocada e feita pela população de maneira mais consciente e politizada, que é o 13 de junho de 1980. Ficou conhecido como Dia de Prazer e Luta Homossexual, uma manifestação contra a violência policial. Esse episódio aconteceu em São Paulo, no Teatro Municipal, e reuniu várias entidades do movimento LGBT+ e outros movimentos, como o negro, feminista e de prostitutas. Eles denunciavam a violência do delegado José Wilson Richetti, que fazia operações policiais de repressão no centro da cidade. Por noite, em um fim de semana, entre 300 e 500 pessoas chegavam a ser presas arbitrariamente”, diz o professor Renan Quinalha.
Eventos em Salvador que marcam a importância da data, confira:
O Instituto Cervantes Salvador promove um recital de poesia multidisciplinar com a participação de artistas LGBTQIA+ brasileiros, no auditório do instituto, na Ladeira da Barra, em Salvador, a partir das 18h.
Com co-realização da Embaixada da Espanha no Brasil e apoio do Comitê de Diversidade, Equidade e Inclusão da Darana RP, o objetivo do encontro poético é transformar a palavra escrita e a poesia como um espaço de irmandade e aliança na luta pela diversidade da população LGBTQIAP+.
Os artistas que apresentarão as diferentes performances do evento são Amanda Mayer e Rafael Brito, na interpretação teatral; Georgiana Dantas, na interpretação corporal; e Jann Souza, na interpretação musical. A entrada é gratuita.
Do outro lado da cidade o Aeroporto de Salvador, integrante da rede VINCI Airports, promove a segunda edição do Festival do Orgulho.
O evento, que foi vencedor do Prêmio Jatobá de Comunicação 2023 na categoria “Diversidade e Inclusão”, teve início ontem (27), com continuidade neste 28 de junho.
Seis atrações artísticas se apresentarão em um palco montado no terminal, com o objetivo de destacar o talento dos artistas da comunidade LGBTQIAPN+ e fomentar a conexão entre membros da comunidade aeroportuária, passageiros e funcionários.
Curado pelo Instituto Afetto, o festival será conduzido por DesiRée Beck, renomada drag queen baiana, conhecida por sua participação no reality show “Caravana das Drags”, apresentado por Xuxa e Ikaro Kadoshi no Prime Vídeo.
No primeiro dia do festival, das 12h às 14h40, acontecerão as performances de Dandê Azevedo, Spadina Banks, Talita e Mel.
No segundo dia, no mesmo horário, o público poderá prestigiar as apresentações de Lucas de Matos & Convidados, House of Tremme e Samba de Pretas.
Programação do Festival do Orgulho do Aeroporto de Salvador:
28 de junho:
-12h: Abertura com DesiRée Beck (@desireebeck_ )
-12h10: Intervenção Artística “Sarau do Orgulho” com Lucas de Matos & Convidados (@_lucasdematos )
-13h15: Intervenção Artística de House of Tremme (@houseoftremme )
-13h40: Intervenção Musical com Samba das Pretas (@sambadepretas )
O festival visa criar um ambiente inclusivo e celebrar a diversidade, promovendo visibilidade e reconhecimento aos artistas LGBTQIAPN+.