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“Enquanto gestora, penso que, o que quer que eu faça e pense, demanda que eu me coloque no lugar de mulher negra para pensar, planejar e executar a política cultural”, afirma Maylla Pita, diretora de cultura da Secult de Salvador

Maylla Pita é produtora cultural e mestra em Cultura e Sociedade pela UFBA, atualmente Diretora de Cultura de Salvador. 

Maylla Pita é uma mulher negra, baiana e produtora cultural, atualmente Diretora de Cultura de Salvador.  Sua primeira experiência profissional na Gestão Pública, ainda como estagiária, foi um marco em sua carreira, afinal pôde perceber nesse ambiente, a severidade do mercado de trabalho, principalmente no quesito raça e gênero, com a constatação de que as mesmas pessoas ocupavam os mesmos cargos e empresas. Foi nesse contexto que compreendeu seu desejo de trabalhar com planejamento e gestão, e não apenas com a execução de eventos.

Como gestora pública, Maylla assumiu o compromisso de pautar o debate racial no âmbito da gestão e produção cultural. Em um mercado que carecia de profissionais negros e de uma abordagem racializada na gestão cultural, buscou referências, parceiros e projetos que corroborassem com esse objetivo. Antes desse processo, Pita precisou vivenciar os percalços da universidade sendo da primeira turma com as cotas vigente: “Eu acho que, primeiro, é importante falar das minhas sensações, impressões e vivências enquanto mulher negra no mercado trabalho, primeiro passando pela academia. Eu fui da primeira turma de cotas da UFBA [Universidade Federal da Bahia], então presenciei uma universidade ainda em processo de transição, uma universidade muito branca e uma universidade que não sabia lidar com as necessidades das diferentes classes sociais que passaram a ocupar aquele espaço de forma mais vibrante”.

“Eu presenciei essa universidade transicionando para uma universidade mais diversa. Hoje, eu vou na UFBA. Eu vejo uma universidade efetivamente diversa, vejo alunos com deficiência, alunos negros,  de outros territórios da Região Metropolitana de Salvador, o aluno que vem da Ilha para estudar, então uma outra Universidade que se expandiu a partir de um processo de acesso. E aí, eu tive que ir lá dentro, construindo meus próprios caminhos para poder me encontrar e seguir assim, firme nesse propósito até me tornar uma profissional da cultura, primeiro porque é um curso de Produção Cultural que tinha apenas 10 anos na cidade de Salvador, pouco reconhecido e o mercado profissional muito frágil.”

“Então eu digo que fui tentando construir meus próprios caminhos, me apegando aos meus movimentos sociais dentro da própria universidade até chegar à minha primeira experiência profissional na gestão pública, ainda enquanto estagiária. Ali eu fui percebendo, naquele contexto de academia, o quanto o mercado era severo, o quanto a gente vivia numa bolha. As mesmas pessoas estavam ali, prestando os mesmos serviços, as mesmas empresas e eu entendi que eu não queria trabalhar com evento, mas que eu queria trabalhar com gestão e foi na minha experiência, enquanto estágio ali na Gestão Pública, que eu fui entendendo que o meu caminho era aquele, independente de ser gestão pública ou não, que era o planejamento.”

Atualmente, a produtora cultural encontra-se em um lugar de constante afirmação. Como mulher negra, precisa reafirmar diariamente sua capacidade técnica, seu papel estratégico e seu conhecimento, em um cenário que exige uma legitimidade constante. Apesar dos desafios, sua jornada é marcada por uma profunda honra e responsabilidade, sendo uma fonte de grande alegria e realização pessoal: “Enquanto mulher negra, nesse processo de trabalho, eu fui entendendo o meu compromisso enquanto gestora pública – porque eu estou nesse lugar agora -, pautando o debate racial no âmbito da gestão cultural e da produção cultural, que era algo que, naquele período, eu via muito pouco. A gente não tinha um olhar racializado acerca da gestão cultural, da política pública, da política cultural. E aí, eu fui tentando fazer esse exercício e buscar referências, buscar parceiros, buscar projetos que se debruçaram  sobre esse olhar racializado”, afirma Maylla. 

E continua:  “Sobretudo porque a gente tem uma expansão do cenário de profissionais, de produtores culturais, de gestores culturais, no quesito raça, poucos.  Nós temos muito mais produtores culturais, inclusive formados, negros, por conta desse processo de democratização. A gente já percebe outros tipos de pesquisa científica, a gente já percebe um outro debate que é feito dentro da universidade. A gente já tem professores negros dentro da universidade. Foi algo que eu não tive a oportunidade de vivenciar: a grande presença de professores negros dentro da universidade e que fazem uma abordagem a partir desse outro olhar. A gente tem muito mais profissionais negros no mercado de trabalho da produção cultural e a gente tem gestores culturais negros e negras que estão desenvolvendo o trabalho com esse olhar”.

“Enquanto gestora, eu penso que o que quer que eu faça e o que quer que eu pense, demanda que eu me coloque nesse lugar enquanto mulher negra para pensar, planejar e executar a política cultural a partir desse ponto de vista. Então, problematizar as cotas raciais nas políticas de fomento, problematizar as produções culturais negras e periféricas e o acesso dessas produções aos diferentes mecanismos de fomento à circulação, difusão, frustração, precisam ser o meu lugar, por outro lado, enquanto mulher negra nesse mercado de trabalho.”

“Na gestão pública, me coloca num eterno lugar de reafirmar tanto a minha capacidade técnica, como meu papel estratégico, o meu conhecimento e isso é bem cansativo  porque é como se a gente tivesse, o tempo todo, que estar ali para, além de fazer, de executar o nosso trabalho – e nesse caso, que é o trabalho de interesse público -, a gente tivesse que estar afirmando que a gente está ocupando esse lugar, que a gente precisa ter respeito, ter essa autoridade legitimada. Então são 24 horas diárias assim, todos os dias, desde quando eu acordo até a hora de dormir, afirmando e fazendo com que esse trabalho seja legitimado porque está ao meu lado. Eu me sinto muito honrada, hoje, de estar neste lugar”, conta. 

Apesar das dificuldades, Maylla afirma que a sua trajetória a traz muitas alegrias: “É uma grande responsabilidade e é um lugar que me traz grandes alegrias acima de qualquer coisa algumas vezes é também cansativo, porque eu durmo e acordo batendo nessa mesma tecla de diferentes formas”, declara.

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