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“A ética com que tenho conduzido minha história é muito forte, porque ela vem da ancestralidade”, conta Mãe Jaciara de Ogum

Jaciara Ribeiro fala dos avanços no combate a intolerância religiosa, dos desafios que ainda precisam ser superados e de como sua luta se tornou referência entre outras líderes religiosas

Foto: Divulgação

Resistência é uma palavra que define a luta de Mãe Jaciara Ribeiro, Yalorixá do Terreiro Ilê Axé Abassá de Ogum, localizado no bairro de Itapuã, em Salvador e também do Terreiro Ilê Axé Ofá Omi Layó, no Quilombo Caipora, em Simões Filho.


Mãe Jaciara é filha de Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, falecida no ano 2000 vítima de intolerância religiosa, após seu estado de saúde se agravar depois de episódios de ataques e agressões. A morte de Mãe Jaciara motivou a criação do 21 de janeiro, o Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa. O legado deixado por Mãe Gilda foi passado para a filha e, hoje, Mãe Jaciara segue lutando contra o preconceito religioso.


Em 2022, o projeto de Lei nº 411 apresentado na Câmara Municipal de Salvador tinha o objetivo de alterar o nome da Lagoa do Abaeté para “Monte Santo Deus Proverá” provocou forte reação de membros de religiões de matriz africana. Mãe Jaciara foi uma lideres que foi contra a matéria. Após uma sessão ordinária, em que a Ialorixá participou discursando, o vereador que propôs a alteração, Isnard Araújo (PL) retirou de tramitação o projeto.


Em entrevista ao portal Umbu, em março, mês em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher, Mãe Jaciara fala dos avanços no combate a intolerância religiosa, dos desafios que ainda precisam ser superados e de como sua luta se tornou referência entre outras líderes religiosas.

Portal Umbu: Quem é Mãe Jaciara de Oxum?
Eu sou a Yalorixá Jaciara Ribeiro, do Terreiro Ilê Axé Abassá de Ogum e também do Terreiro Ilê Axé Ofá Omi Layó, no Quilombo Caipora. Tenho 56 anos, sou uma ativista da luta contra intolerância religiosa e sua mulher extremamente preparada para ajudar e acolher outras mulheres em situações parecidas com a minha ou não.

Portal Umbu: Você é a líder do Terreiro Axé Abassá de Ogum e traz consigo uma bandeira de liberdade de culto e de enfrentamento à intolerância religiosa. Quais são os maiores desafios que você observa, hoje, para que a diversidade religiosa possa ser abraçada em Salvador?
O maior desafio para mim, em ser uma liderança religiosa, é por ser mulher. A mulher, para edificar um projeto, é muito difícil. A sociedade é machista, então, quando vê uma mulher sendo líder e idealizadora de projeto, eles não acreditam muito, eles acham que o lugar da mulher é na cozinha, cuidando de filho e acredito que o lugar da mulher é onde ela quer estar. Acredito que o meu local é esse mesmo, de ser essa ativista da luta e dizer que não é fácil. O maior desafio são os “nãos” que recebo. Muitos “nãos”.

Portal Umbu: Você herdou o matriarcado religioso de sua mãe, Mãe Gilda de Ogum, e, em 2023, na celebração do Dia de Combate à Intolerância Religiosa, realizou, junto à comunidade, o 1º Arrastão da Liberdade em memória dela. Você lida com algum desafio por ser uma liderança religiosa feminina?
Herdei o matriarcado de mãe Gilda assim que ela faleceu, em 2000, e em 2006, eu assumi a casa, tirando o primeiro barco de Iaô com Oxum, Oxóssi e Oxalá e, para mim, não foi muito fácil assumir uma casa a partir dessa dor.
São 24 anos da morte dela e tive essa sensibilidade. Fazemos caminhadas, diálogo roda de conversa, ainda é muito pouco, então eu quis fazer o primeiro Arrastão da Liberdade em memória à Mãe Gilda e em memória a outras líderes religiosas. Eu acho que o povo está cansado de sofrer, ser oprimido, então promovemos eventos dentro das nossas casas, debatendo sobre o nosso problema, sobre como o que a gente vive de maneira negativa termina nos adoecendo ainda mais.
O Arrastão da Liberdade, para mim, foi um momento muito forte porque fomos para as ruas cantando, com bandeira, arrastando para longe o racismo e o ódio religioso. E também o racismo ambiental que sofremos.


Portal Umbu: Quais são os sentimentos que você tem ao observar os avanços que tivemos na luta contra o racismo religioso?
Acredito nas futuras gerações, vejo pelas minhas filhas aqui no terreiro elas dizem: “ah, quando eu crescer quero ser que nem a senhora”, elas brincam assim. Com o projeto ‘Iya Akobiode – Mulheres que Transformam’, empresto a minha dor, a minha luta para ser exemplo para outras mulheres também lutar. Tenho essa força de andar em vários estados. Agora mesmo, eu tenho um projeto que foi edificado em Recife, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e em Salvador. Cinco estados que eu consigo dialogar com outras mulheres que, às vezes, não têm a experiência de denunciar e até detectar o que é racismo religioso, o que é racismo e o que é violência. Então, eu consigo caminhar nesses lugares levando, não como ensinamento, mas como uma experiência para ser um piloto para essas mulheres também lutarem e avançarem.

Foto: Divulgação


Portal Umbu: Você acredita que futuras gerações de líderes, sobretudo mulheres, estão se inspirando na sua atuação? Como você assimila isso?
Assimilo como uma coisa muito boa. Acho que o que é bom tem que ser seguido e que a ética com que tenho conduzido e pautado a minha história é muito forte, porque ela vem da ancestralidade, da história da minha mãe, mas também de outras mulheres como Makota Valdina, Mãe Stella, Mãe Menininha do Gantois, Marielle Franco, Luiza Bairros, Maria Felipa, mulheres que foram mártires de luta.


Portal Umbu: Em janeiro, o Ministério da Igualdade Racial, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, tornou público o Edital Mãe Gilda de Ogum 2024. Quais são as expectativas para a aplicação desse apoio financeiro para iniciativas de povos de terreiros e comunidades de matriz africana?
Acho que esse edital do Ministério da Igualdade Racial, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, o edital Mãe Gilda de Ogum 2024, além de me honrar muito, me deixa muito feliz porque são 24 anos da luta e Mãe Gilda é uma mãe de santo muito resguardada. O Abassá de Ogum não é um terreiro da mídia, não é um terreiro de 200 anos, não é um terreiro tombado. E a história de Mãe Gilda, da forma que fui conduzindo, chegou a esse ponto de se tornar um edital e acredito que a aplicação desse apoio financeiro vai ajudar muito o povo de terreiro.
Então eu me sinto muito feliz e também orgulhosa de saber que Ogum, que era o Orixá da minha mãe, e esse dinheiro podem ajudar comunidades esquecidas, terreiros de candomblé que não têm acesso ao poder no sentido de verbas. Então, eu acho que vai ser para eu celebrar para a vida toda.

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