Em entrevista ao Portal Umbu, cantora fala sobre desafios da carreira, projetos individuais e reconhecimentos ao longo da vida
Márcia Short, artista baiana e uma das maiores personalidades do cenário musical, possui uma carreira de mais de 30 anos que é reconhecida e aplaudida em todos os lugares por onde passa. Com uma voz potente e versátil, marcada por um timbre rouco e aveludado, ela transita com facilidade entre graves e agudos, explorando com maestria o samba-reggae, a MPB e o axé music.
A estrela baiana sabia que a arte pulsava nas suas veias, mas enfrentou um início de carreira desafiador por conta da incompreensão familiar: “Essa questão do não reconhecimento familiar foi algo que me abalou bastante no processo. O tempo foi passando, as coisas foram acontecendo e as pessoas foram se adequando à situação. Elas precisavam ver para crer e viram que é possível, com muito esforço, se realizar e chegar a outros lugares com um trabalho digno”, afirma Márcia.
“Arte também é profissão, nós temos o privilégio de trabalhar o lúdico, trabalhar com emoções, tocar na alma e no coração das pessoas, mas essa é a nossa profissão. Então, eu acho que esse entendimento foi chegando de acordo com as coisas que foram acontecendo e hoje, graças a Deus, eu tenho minha família como rede de apoio para o que se fizer necessário, para que as coisas sigam acontecendo.”
Em 2024, após 36 anos de carreira, a Banda Mel, da qual Márcia fez parte, retornou aos palcos, reacendendo a chama de uma geração e celebrando os 40 anos da banda. Esse retorno foi marcado por emoção e saudade, mostrando que a Banda Mel sempre esteve viva nos corações dos fãs. Esse projeto, somado a outras iniciativas paralelas, como o Sapoti, que terá circulação nacional, demonstra a versatilidade e o talento de Márcia Short, que continua a surpreender e encantar o público com sua música e sua história.
“Banda Mel é um desfecho surpreendente porque, quando eu saí da banda há 30 anos, eu saí muito consciente da minha decisão, do que eu estava fazendo e certa de que eu havia encerrado um ciclo ali. Só que ficaram pendências trabalhistas e foi movida uma ação para ressarcimento de débito trabalhista e aí, a coisa se desenrola e eu me vejo lá de novo.”
“O carnaval foi um termômetro de emoção, tão lindo, tão significativo. Fiquei emocionada com tanto amor, tanta harmonia enquadrada de muita saudade e vendo aquela engrenagem se completando e funcionando da maneira que ambas as partes merecem, porque a Banda Mel é uma marca forte, mas que não teve a mesma força sem a presença de Robson Moraes, sem a minha presença. Nós dois também somos muito talentosos, mas longe daquela engrenagem não tivemos a mesma força, embora tenhamos caminhada, o sistema aponta para um outro lugar. Retomar o projeto comemorando os 40 anos da Banda Mel, que é uma marca tão importante para a cena musical da Bahia e do Brasil, é [trazer] um repertório vivo, presente e atual. Em todos os shows que você vai de artistas, tanto novos, como os mais antigos, o repertório da Banda Mel tem lá, três quatro músicas vivas, pulsantes. Então, eu estou muito feliz de poder estar ali nesse lugar, nesse momento.”
Como cantora negra, Márcia reconhece os desafios enfrentados pelas artistas que estão iniciando suas carreiras. Ela acredita que, embora o cenário atual seja mais consciente, as exigências e o racismo sofisticado tornam a jornada dessas artistas ainda mais difícil:
“Eu acho que as cantoras negras da atualidade recebem outras exigências. O racismo se aprimora, se sofistica dia após dia e a cobrança em cima da gente é maior, o espaço que deixam é o mínimo e a gente tem que estar enfrentando superando atravessando barreiras todos os dias. A minha luta e a de outras cantoras servem para elas como miragem, como farol e aprimoramento de estratégias porque hoje as necessidades também são outras. É estar atento aos movimentos e seguirmos na luta exigindo essa reparação lutando por espaço, por oportunidade, por benefícios que assegurem a qualidade do nosso trabalho, que estejamos inclusas – inclusas nas grades dos eventos da cidade -. Eu acho que já existe um movimento de consciência que aponta para um futuro de mais conforto na luta diária. Não está fácil para eles também não.”
Além de falar da importância do seu papel como mulher negra, a cantora Márcia Short também recebeu reconhecimento internacional recebendo o título de Doutora Honoris Causa da Ordem de Capelães do Brasil e da Faculdade Febraica: “Receber esse título foi uma alegria, uma grata surpresa, por motivos óbvios. A caminhada que eu fiz não me deu oportunidade de estudar o quanto eu gostaria. Eu tenho até o ensino médio, então ter o reconhecimento dos saberes não acadêmicos diante de uma academia é motivo de alegria, de lisonja, de incentivo para que a gente siga aprendendo e ensinando, então eu recebi com muita gratidão e alegria”, relatou a cantora.
Para o futuro, Márcia planeja continuar com o projeto da Banda Mel e, eventualmente, reconfigurar a marca em uma nova formação. Ela também pretende seguir com seus projetos paralelos, como o Sapoti, e buscar novas oportunidades para sua carreira solo. Sua luta constante por espaço, justiça social e oportunidades para sua arte a mantém como uma figura influente e inspiradora no cenário musical brasileiro.
“E para o futuro é tocar o projeto Banda Mel – se tudo correr dentro do que está previsto – daí um tempo, de repente um ano, dois anos e depois relocar a marca numa audição, numa nova formação, dar um respiro a essa cena do axé, seguir com meus projetos paralelos. O Sapoti esse ano vai para circulação nacional, a gente vai anunciar uma grade de shows para o Sapoti, que é uma homenagem a Ângela Maria, que circula desde 2017, e é um projeto lindo. Vêm aí os editais dos emergenciais, e aí irei tentar, mais uma vez, recolocar o meu trabalho solo, uma luta constante por espaço por justiça social por oportunidades.”
