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Marisqueira e ambientalista, Marizelha Lopes fala sobre importância da luta ancestral para que “outras mulheres continuem lutando pelo nosso território pesqueiro”

Ativista da luta dos pescadores de Ilha de Maré, líder quilombola fala sobre resistência e ações de defesa pela proteção de território ao Portal Umbu

Foto: Acervo pessoal

Marizelha Lopes é uma líder quilombola de Ilha de Maré, em Salvador. Região conhecida pela beleza natural e por sua rica cultura pesqueira, abriga quase 10 mil moradores. O legado de gerações é a marca registrada de uma das comunidades existentes na ilha, chamada Bananeiras, onde Marizélia vive desde que nasceu.

Também conhecida como Nega Lopes, hoje, ela é uma ativista na defesa do meio ambiente e dos direitos dos pescadores, lutando contra o racismo ambiental e a falta de políticas públicas para sua comunidade.

“Meu nome é Marizelha Lopes. Sou filha de Hernandes Lopes, filha de Vilma Menezes, neta de Lourdes Bonfim, neta de Clarice do nascimento, bisneta de Augusta do Nascimento, bisneta de Ana Bonfim”, se apresenta.

“Eu sou mulher, negra, pescadora quilombola e agricultora. Moro em uma das comunidades da Ilha de Maré, comunidade pesqueira quilombola chamada Bananeiras. Sou mãe de três filhos e avó de dois netos. Tenho 10 irmãs mulheres e um homem. Sou muito feliz por morar onde eu moro e viver onde eu vivo. Sou ambientalista defensora do meio ambiente. Sou militante das causas dos pescadores. Componho a articulação da Teia dos Povos, estou na trincheira junto com outras e outros, principalmente outras, em defesa do nosso território, em defesa de nossa vida.”

A Ilha de Maré, com sua natureza exuberante e suas águas generosas, é o lar de uma comunidade forte e resiliente, que depende da pesca e do artesanato para sua subsistência. Apesar dos desafios enfrentados, como a falta de infraestrutura e o descaso dos gestores públicos, Marizelha e os moradores da ilha continuam lutando por um futuro onde sejam ouvidos, respeitados e seus direitos sejam garantidos.

Historicamente, a Ilha de Maré, que não é só Bananeiras, foi há séculos negada o direito às políticas públicas, e a gente vive aqui um racismo institucional:

“Ilha de Maré é um dos bairros que tem uma das maiores concentrações de pretos e pretas de Salvador. Ilha de Maré tem suas especificidades. A gente já tá falando, Ilha. Então significa dizer que é um monte de areia, e de natureza. E de mata, que é mata que é manguezal, é terra cercada de águas. Então nós vivemos com características diferentes, saberes, culturas diferentes, muito diferente do continente, e era para ser respeitado esse jeito e modo de viver”, afirma Nega.

Questionada sobre a falta de políticas públicas para os seus, a líder quilombola afirma que os gestores do município de Salvador têm direcionado os recursos públicos principalmente para áreas consideradas mais nobres, deixando as comunidades quilombolas como a de Bananeiras em segundo plano.

Foto: Acervo pessoal

“Os gestores do município de Salvador entendem que as políticas públicas precisam ser garantidas, na verdade, o dinheiro público precisa garantir uma estrutura para os ricos, desde segurança e toda infraestrutura, esgotamento sanitário, pavimentação, encosta, contenção, educação. Essas estruturas são para ficar no continente e de preferência nos bairros nobres de Salvador. Então o dinheiro público é direcionado pelos mesmos. Historicamente, os gestores públicos são os mesmos e até há uma família mais contemplada financeiramente.”

“A família ACM, que tem avenidas, escolas, ruas, é homenageando os seus, inclusive fazem de tudo para que as comunidades quilombolas não resistam. Essas são as posturas dos poderes públicos para com as comunidades tradicionais e quilombolas. As escolas, o posto médico precisam ter nome para homenagear os brancos e, de preferência, homens. Eles utilizam dos recursos que são públicos para realizar suas metas e sonhos pessoais. Então não tem uma política voltada para nós, não tem as garantias de direitos humanos, isso não existe para nossa população”, aponta Nega.

A Ilha de Maré, no geral, é um lugar onde a vida gira em torno da pesca. Cerca de 90% da população vive direta ou indiretamente da pesca e do artesanato, que são atividades essenciais para a subsistência da comunidade. Para muitas famílias, comer peixe não é apenas uma questão de alimentação, mas também de cultura e tradição.

“A população da Ilha de Maré é de quase 10 mil moradores. Se tiver 300 pessoas que vivem de outros serviços que não sejam das águas e das matas, do território, é muito. Então 90% dessa população vive direta ou indiretamente da pesca e do artesanato. Nós temos a natureza e ela é bem generosa. Com tanto crime ambiental, com tanta perversidade, dos tiranos, gestores públicos, empresários, a natureza ainda é solidária, é generosa com a gente, então, até hoje, a gente continua sobrevivendo e vivendo da pesca, principalmente.”

“Comer pescado é fazer turismo, para nós comer pescado é cultura”, analisa Marizelha. “Mesmo que não seja para vender, a gente não consegue viver sem se alimentar do nosso pescado. Então viver da pesca é, principalmente, se alimentar. Não é só comercializar. A gente sempre comeu, sempre se alimentou e sustentou nossa família com a pesca e essa é uma realidade que não é só da ilha de Maré, é uma realidade das várias comunidades da Baía de Todos-os-Santos, Kirimurê, do próprio Recôncavo. Então, a potencialidade que a gente tem da pesca, a gente depende muito dessa solidariedade do meio ambiente que não é ‘meio’.”

As mulheres da comunidade de Bananeiras desempenham um papel fundamental na pesca e no sustento de suas famílias. Nega Lopes é uma dessas mulheres, cujo conhecimento e habilidades na pesca e no mariscar são fundamentais para a sobrevivência da comunidade. Para ela e muitas outras mulheres da ilha, pescar não é apenas um meio de vida, mas uma parte essencial de sua identidade e cultura.

Foto: Acervo pessoal

“Eu costumo dizer que eu não projetei nada. A gente não faz luta e nem ganha destaque por fazer defesa e resistência porque a gente quer. No caso de nós, militantes, animadores de comunidade, a gente é obrigado a fazer isso. A gente inclusive vai modificando muito nosso jeito de ser e isso é da característica de todo ser vivo. Todos os humanos, quando sentem que está ameaçada sua alimentação, quando sente que está ameaçada sua vida, reagem. Então a gente não tinha outro jeito: ou a gente se organiza e vai para a luta ou a gente morre igual aos caranguejos, dentro do buraco sem poder reagir”, observa Lopes, parafraseando a marisqueira e política Eliete Paraguassu.

“Eu não me vejo nesse lugar de destaque sem pensar em todas as outras companheiras e companheiros que estão fazendo enfrentamento e fazendo luta junto comigo. É uma luta que não é individualizada, é uma luta coletiva. Não é para ser destacado como lugar de mérito, é para entender a sociedade. É importante entender que o nome Marizelha Lopes carrega uma luta ancestral que foi passada de geração em geração e a gente tem conseguido fazer essas transferências, então é com muito orgulho que a gente tem alguns jovens, mulheres e homens, mas principalmente mulheres no protagonismo, defendendo o território e continuando essa resistência.”

“Quando eu não estiver mais por aqui ou estiver bem velhinha e não puder fazer as lutas, a gente sabe que vão ter outras ‘Negas’, outras mulheres continuando esse legado”, conclui.

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Uine Lopes
Uine Lopes
6 meses atrás

Parabéns pelo trabalho tão necessário, Adriane. Matéria muito bem escrita, respeitando como poucxs o que a entrevista gostaria de passar. 👏🏽👏🏽👏🏽

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