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Uma deusa, uma louca, uma feiticeira

Sábado, três amigas se encontram na praia de Piatã e conversam, riem, bebem, debatem, brincam, planejam um jogo de cartas (buraco) sem sucesso! Domingo, outras amigas se encontram num café no Rio Vermelho, comem, brincam, riem, conversam, debatem, confidenciam e cantam junto com Thiaguinho na TV de um bar: “uma deusa, uma louca, uma feiticeira, ela é demais!”. Já pesquisando no celular, uma amiga arremata: composição de Rick & Renner.

Pronto! Ufa… Descobri sobre o que queria escrever neste mês e qual título teria esse texto. Pois então, segue minha homenagem a essas mulheres artistas, escritoras e fazedoras da cultura.

Estou de mãos dadas às mulheres! Firmei um pacto interno de uma ética amorosa com as elas todas, independente de eu ter a razão sobre um fato ou acontecimento. Eu honro as mulheres que atravessam a minha vida. Não quero lhes causar quaisquer danos (posso até cometer, mas busco intencionalmente cuidar para que não)! Diante de, muitas vezes, relações desafiadoras, ou mesmo aquelas que não me vinculo tão intimamente, eu, antes, as compreendo e respeito. Reconheço os lugares onde nos aproximamos e nos afastamos e busco atuar, há algum tempo, com uma linguagem, um tom, uma postura respeitosa e até, algumas vezes, silenciosa, quando não sei como contribuir…

A descoberta política de “ser uma mulher” dentro de um sistema patriarcal/machista, de fazer parte desse gênero feminino, de ser mãe, filha e cidadã de um mundo que nos tem como alvo para múltiplas violências, acionou em mim a urgência de uma mudança de visão: tornei-me feminista! Uma mulher afro-ameríndia feminista!

Dentro disso, cada vez mais me relacionar com amigas-mulheres tem sido muito nutridor! É um refúgio para a solidão, para cultivar afeto e amar, apoio nas dores e dúvidas, um compartilhar de ideias e existência, um campo vasto onde resgato minha fé! Consigo ser eu mesma e identifico que numa simples conversa numa tarde, eu me teço, ampliando minhas perspectivas e aprendendo sobre aspectos meus que antes estavam nebulosos ou apertados em posições fixas!

Nem sempre foi assim… Houve um período, bem antes dos 40 anos, que eu não suportava muito escutar suas vozes, lamentos, dores, medos ou até mesmo vitórias. Eu vivia num pêndulo entre a inveja e a raiva-culpa por sentir inveja! É que eu não sabia ver cada amiga, cada colega do teatro, ou mulher da minha família como uma irmã, como uma aliada. A neurose básica era: ora me sentia superior, ora inferior… Um tormento!

Uma falta absurda de (auto)EMPATIA. Mas teve um momento em que eu despertei! E esse ACORDAR surgiu quando fui muito ferida numa relação amorosa e, perdida, completamente desamparada, as mulheres amigas, colegas, conhecidas e desconhecidas foram as pessoas que me acolheram, me escutaram e me deram colo, aparo, afeto, apoio diverso… Pude, aos poucos, compreender o quanto de violência atravessamos. Reeduquei meu olhar e meu modo de amar.

Ao ler sobre o feminismo e o feminismo negro, ao conversar com essas mulheres e escutar suas histórias, pude compreender o quanto EU era ELAS, mesmo que as violências fossem distintas. O que nos unia como classe, gênero e raça eram os dados de VIOLÊNCIA. E aprendi os nomes como: misoginia, racismo, etarismo, abuso sexual, verbal, patrimonial e psicológico! Essa percepção me trouxe uma profunda raiva, um desejo grande de gritar e, claro, o dedo bem apontado para os homens, sobretudo os brancos heteronormativos.

Honestamente, ainda estou patinando na descrença e falta de fé nos homens. Poucos são aqueles que admiro, que escuto, que minimamente confio. Reconheço suas dores e as violências às quais são submetidos para se constituírem “HOMENS DE VERDADE”, mas não é neles que encontro porto seguro.

Se antes, na fase adolescente, os admirava e idolatrava, acreditando ser como minhas amigas, bobas demais, e eles, sim, inteligentes, espirituosos e estimulantes, hoje olho com profundo afeto cada mulher que me relaciono. Admiro sua inteligência e competência emocional-espiritual para atravessar a vida apesar da lista infindável de pesares. Pois é fato: cada mulher carrega em si milhares de histórias de cerceamento, descrença e solidão.

Ao mesmo tempo, ao conviver com as mulheres, renovo a fé na vida, num planeta/país que está absurdamente quente e rodeado de desigualdades! E fico boba como temos a coragem de falar de absolutamente tudo uma com a outra; de prisão de ventre a crise na maternidade; de doenças da alma a política pública; das milhares de dúvidas, da última novela, carnaval ou masturbação. Conseguimos dizer frases como: eu não sei se estou certa! Eu vou falhar muito. Eu não sei lidar bem com dinheiro. Eu estou ferida. Eu não acredito nas pessoas, mas sim no movimento… Eu quero ser rica e prosperar!

No fundo, eu quero poder dizer: quero voltar a confiar nos homens e no relacionamento com eles… Gostaria de contribuir para uma melhor comunicação entre, nós: homens e mulheres. Mas faço coro com elas: “Uma deusa, uma louca, uma feiticeira. Ela é demais!”

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