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Creuza Maria tem história marcada por nobre luta pelos direitos das empregadas doméstica

Líder sindical recebeu o título de doutor honoris causa da UFBA em novembro do ano passado

Foto: Alisson Santos

A história de Creuza Maria se cruza com a de milhares de mulheres brasileiras. Isso porque, antes de completar 10 anos, Creuza começou a trabalhar como empregada doméstica em Santo Amaro da Purificação. Já na capital baiana, continuou trabalhando na área e foi aí que entrou para a associação que reivindicava os direitos da categoria.

Hoje, é a atual presidenta de honra da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) e secretária de Formação Sindical e de Estudos do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia (Sindoméstico-BA). Em novembro do ano passado, a UFBA concedeu a Creuza Maria o título de Doutor Honoris Causa.

“A experiência do título de doutora Honoris Causa foi muito importante para a história da nossa luta, que é a luta das trabalhadoras domésticas, que tem mais de 80 anos de organização sindical no Brasil. Desses mais de 80 anos, tem também a questão do direito da carteira assinada, que são 50 anos, 10 anos da PEC [das domésticas]. Hoje, temos a conquista de ter o sindicato em todo o Brasil”, diz.

“Temos uma federação nacional e uma confederação latino-americana e caribenha, e uma federação internacional que, com certeza, deu visibilidade à luta das trabalhadoras domésticas, tanto no Brasil como no mundo. Temos participado de várias conferências, sendo convidadas a representar a categoria no Brasil e no exterior”, complementa.

Segundo Creuza, quando ingressou no movimento pela reivindicação dos direitos das domésticas, nos anos de 1980, não tinha noção de raça, classe, gênero e organização sindical. Foi a vontade de transformar as estruturas do sistema que a fez entrar na associação.

“Comecei a trabalhar antes dos 10 anos. Fui privada de ir para a escola, de brincar, de viver minha infância, minha adolescência. Tudo isso era muito difícil, embora eu não tivesse nenhuma consciência política, mas eu sabia que a coisa estava fora de ordem. Começo, então, ouvindo um programa de rádio que existia um grupo que já estava se organizando, e começo, então, a participar desse pequeno grupo na década de 80, e esse grupo se transformou em uma associação em 86 e em sindicato no 13 de maio de 90”, explica.

“Ser contemplada com esse título de doutora honoris causa com certeza é um momento histórico importante não só para mim, Creuza, mas toda a organização. Como eu sempre digo: esse título não é só de Creuza, mas é de Dona Laudelina, é de Naijane, é de Lenira Carvalho é de muitas trabalhadoras que iniciaram essa luta antes de mim”, conta.

“Espero que esse título abra as portas para outras trabalhadoras, mulheres negras e o movimento social, para que sirva de exemplo. Eu só tenho a agradecer e continuar na luta, por melhores condições de vida e de trabalho para a minha classe para toda a sociedade”, diz.

Referência

Além do título de doutor honoris causa, o resultado do trabalho de uma vida dedicada ao movimento social tem começado a ser reconhecido. Creuza Maria recebeu em 2005 a condecoração da Ordem do Mérito do Trabalho no Grau Cavalaria, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda em 2005, ela foi indicada para o Prêmio 1.000 Mulheres para o Nobel da Paz.

A líder sindicalista recebeu ainda o Troféu Raça Negra, da Faculdade Zumbi dos Palmares, em São Paulo. Já em 2015, o Senado Federal prestigiou a sindicalista com o diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz.

Com o trabalho desenvolvido com o Sindicato das domésticas, Creuza se tornou uma inspiração para mulheres de sua geração e a juventude.

“A sensação de ocupar um espaço desse, com certeza, é uma responsabilidade grande e muitas vezes tenho consciência do meu papel, da minha responsabilidade e como tenho que contribuir para o crescimento de outros e de outras. E é isso que tenho feito toda a minha vida, quando eu abro mão de muitas coisas pessoais e digo não, eu não posso pensar só no pessoal, tenho que pensar no coletivo, na luta coletiva. E a luta coletiva é você estar passando sua experiência para outras, dando seu testemunho de coisas boas e coisas ruins que servem de exemplo”, relata.

“Que você confie na luta, que você tenha esperança de mudança. Meu papel é esse, de estar lutando para outras crianças não passarem o que eu e outras passaram, adolescentes também. Para que nossa juventude preta tenha outras oportunidades que minhas avós, minhas bisavós, minha mãe, meus pais não tiveram. Tantas pessoas antes de nós não tiveram a mesma oportunidade que temos hoje. Sei que hoje nada é fácil para nós, continua não sendo fácil, mas há 100 anos, 50 anos atrás, era bem pior. Hoje temos as formas de denunciar, maneiras de protestar, de se organizar bem diferente do que antes”, argumenta.

Na próxima sexta-feira (8), é comemorado o Dia Internacional da Mulher, data que inspira essa série de entrevistas que a reportagem do Portal Umbu realiza ao longo do mês de março.

Sobre a data, Creuza diz: “O 8 de março, com certeza, é uma data importante para todas as mulheres e, com certeza, aquelas mulheres que morreram dentro de uma fábrica queimada porque estavam lutando pelos seus direitos, pelos direitos delas e de outras. Sabemos que teve muitas histórias disso, de muitas lutas, os quilombos, os escravos, os escravizados que lutavam contra a escravidão, que morreram enforcados, que morreram com as chibatadas, que infeccionou as, como é que diz, os castigos, as feridas”.

“Hoje estamos, mais ou menos, libertos, pois, podemos falar que tem situações de irmãos que ainda vivem em situações desumanas e a sociedade que não respeita o direito das mulheres, o direito dos negros, das crianças, dos LGBTQIA+. Mas não podemos nos conformar, temos que continuar lutando por esse bem viver e bem viver é ter saúde, educação, liberdade, dignidade, direitos iguais a todos e todas, declara.

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