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Portal UMBU

Sobre computadores no lugar de betoneiras

Nem só de virtualidades vive o mundo da computação; além de criar as mais incríveis projeções, softwares e arquivos em diferentes formatos, os computadores se aliam aos mais diversos equipamentos físicos (hardwares, para os de casa) para trazer várias de suas criações digitais das telas para nosso mundo de carne e osso.

Na pegada do hype Barbiecore, o criador de conteúdo Felipe Pacheco usou a nossa conhecida IA Generativa para supor como grandes arquitetos brasileiros projetariam a morada da ‘barbie girl in a plastic world’. E até já falamos aqui do experimento publicado no Archdaily, famoso portal mundial de arquitetura, que usava a IA generativa para sugerir como seriam as moradias contemporâneas ao redor do mundo.

Tudo isso é muito massa, a computação brilhou demais possibilitando isso, mas é tudo pra tela de computador apenas, ninguém vai erguer (acho) uma mansão rosa-choque.

Na outra ponta dos experimentos visuais e simulações digitais, processos de fabricação real já estão em prática nos escritórios de arquitetura e engenharia do mundo todo. As simulações tomam outra dimensão quando os projetistas abordam analiticamente os materiais e formas dos materiais de construção.

Lá em 2002, os arquitetos Toyo Ito e Cecil Balmond usaram o resultado de um algoritmo que simulava um cubo rotacionando e expandindo para trabalhar luz e sombra (e design) para criar o pavilhão da Serpentine Gallery deste ano. Em 2016, no mesmo evento, o escritório BIG, que até ganhou episódio na série Abstract da Netflix, lançou mão da simulação computacional para criar o pavilhão da sua edição.

Essa forma de projetar ficou chamada de Design Paramétrico porque foca nos parâmetros (xis e ípsilon, matriz e determinantes e tudo que fez a gente ter medo da matemática do vestibular) usados para descrever as formas e posições dos elementos de uma edificação.  

E quem já pegou a deixa, sabe que não podia faltar a magnífica Zaha Hadid. Essa arquiteta iraniana usou uma coisinha chamada NURBS para simular tudo que é forma sinuosa dentro de um computador e elevar as curvas Niemeyer para outros planos (literalmente). Ela fez obras em que a cobertura chega se derrete pelas paredes até o chão, criando edificações incríveis, como o Centro Heydar Aliyev, de 2012, no Azerbaijão.

Mas para não deixar a arquitetura naquele estereótipo de “faz o desenho e larga para o engenheiro”, a simulação arquitetônica ganhou mais gás e começou a modelar os dados dos materiais para especificar não só a forma, mas também o processo de construção. Ainda nos anos 80, surgiu a sigla BIM e softwares capazes de desenhar paredes virtuais e dizer de quais materiais elas deveriam ser. A escala de assertividade que essas aplicações de computação gráfica e modelagem computacional possibilitaram os projetistas chegarem grandão sem medo no canteiro e dizer como, com o quê e com quanto tempo vai ser feita cada etapa de uma obra.

E disso pra plugar uma impressora e começar a fazer o computador construir, de fato, foi um pulo. A galera da engenharia de fluidos conseguiu descobrir como derreter plásticos de forma controlada e fez as impressoras 3D que, depois de muito feijão, ficaram parrudas a ponto de trabalhar com concreto. A ideia dessas impressões é tão magnífica quanto simples, empilhar camadas de um material a ser endurecido controlando a sua forma. Desde 2020 se tem aplicado essa forma de construção e, hoje, já se é capaz de fazer abrigo de até dois pavimentos, salvando aquele churrasco de laje.

Agora, já que quem escreve essa coluna é um fã da computação gráfica, aqui vai mais uma menção nessa coluna ao prof. Ivan Sutherland. De uma tela verde capaz de projetar apenas linhas saiu o Sketchpad, em 1968, e pouco se soube como aquilo se expandiria até que surgiu o AutoCAD, em meados de 1980, e os desenhos ganharam mais detalhes, passaram até a ser em 3D e, ainda assim parecia algo distante de uma realidade mais material.

O que pouco se sabe é que, desde os anos 80, a Bahia é referência na pesquisa em CAD, através do laboratório LCAD da UFBA. Na belíssima Faculdade de Arquitetura da UFBA, alunos e pesquisadores desenvolvem trabalhos de destaque em simulação e renderização arquitetônica, desde quando computador era bege e Barão Vermelho era banda jovem.

Mas o ponto disso tudo é o incrível progresso que a representação digital teve, a ponto de ser uma promotora de novas estéticas e de novas formas de construir o nosso habitar. O pioneiro LCAD hoje gera frutos como o FaDigA, outro laboratório de projeto virtual da FAUFBA, agora focado em Fabricação Digital, uma iniciativa local que acompanha a tendência global, pois os progressos científicos vêm chegando sem freio –  estilo busu na ladeira – no uso da computação para otimizar aplicação de recursos reais.

O próprio paradigma generativo, famoso agora por estar sendo aplicado na Inteligência Artificial, é uma realidade de projeto focado em eficiência há alguns anos. No final das contas, muita novidade de tecnologia é consumível pelas telas, mas, pare pra pensar se não é decente você entrar em um prédio, morar em uma casa, frequentar uma exposição que é pura tecnologia, do seu projeto até sua construção!

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Juliana Ribeiro
Juliana Ribeiro
1 ano atrás

Esse cara é sensacional! Inteligente e um pesquisador nato! Genial o conteúdo, Ivan!

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