Em entrevista, Urbano Sampaio e Janaína Santana falam sobre a utilização da ferramenta no dia a dia das agências
Desde a última quarta-feira (4), as redes sociais foram tomadas por debates a respeito de um comercial lançado pela Volkswagen. Na produção, a cantora Maria Rita se encontrou, com uso de inteligência artificial (I.A.), com sua mãe, Elis Regina, falecida em 1982.
Embalada pela canção “Como Nossos Pais”, escrita por Belchior, a ação que tinha como intuito celebrar os 70 anos de presença da marca no Brasil, dividiu opiniões entre os internautas.
Enquanto alguns elogiaram e disseram se emocionar, outros apontaram problemas no uso da tecnologia e questões jurídicas.
Diante dessa movimentação, o Portal Umbu, entrevistou Urbano Sampaio, Fundador e CSO da Zygon Digital, e Janaína Santana, Diretora de Atendimento da Morya Comunicação, com intuito de entender o uso da I.A. no ramo da publicidade.
Para Urbano, “a inteligência artificial impacta e vai impactar ainda mais o mercado publicitário”, isso porque, segundo ele, a ferramenta sempre teve como finalidade facilitar e automatizar alguns processos.
Neste quesito, Janaina concordou ao dizer que “ela [inteligência artificial] não pode e nem consegue fazer nada sem o ser humano, além de ser alimentada das nossas informações. Não considero que a I.A. seja uma ameaça e sim mais uma ferramenta”.
Outra questão levantada durante a entrevista foi a aceitação do público a conteúdos desenvolvidos com uso de inteligência artificial. A reação às novidades empregadas no filme foram consideradas positivas, mesmo com apontamentos negativos.
“Até pouco tempo atrás, a gente sabia quando uma cantora ou um cantor tinha virado sucesso quando começavam a vender CD ou DVD pirata deles nos sinais de trânsito. Hoje, tenho a mesma sensação quando vejo infoprodutos, no Instagram ou no Youtube, vendendo lista de prompts, que solucionam qualquer coisa, ou influenciadores trazendo novas plataformas ou plug-ins de inteligência artificial todos os dias, para mostrar como ganhar dinheiro fácil e de forma escalável”, explicou Urbano.
“Tem um mercado em atividade que produz, vende e compra conteúdos criados de forma automatizada. Lógico que podemos questionar a qualidade desses conteúdos, se é raso ou se entregam um pensamento relevante ou uma ideia diferenciada, leia-se: criatividade. Quero deixar somente uma provocação, o filme da VW trazendo Elis e a filha cantando juntas é bacana por que estamos vivendo um boom da I.A. ou por que é criativo?”, refletiu o fundador da Zygon.
Apesar de toda a praticidade que as inteligências artificiais têm oferecido, a preocupação com os softwares que alteram voz e imagem é perceptível na sociedade. Isso porque, na era da pós-verdade, onde a opinião pública é guiada por conceitos próprios ao invés dos fatos objetivos, é comum encontrar vídeos ou áudios falsos e atribuí-los a pessoas que jamais disseram ou gravaram algo parecido. Entretanto, Janaína e Urbano tentam ver o lado positivo da ferramenta.
“Mesmo que haja resistência em alguns setores os avanços tecnológicos são caminhos sem volta”, afirmou a diretora de atendimento da Morya. “Hoje, eu, ou qualquer pessoa, pode criar personagens, escrever uma história, ilustrar quadro a quadro e construir uma HQ para presentear o filho ou um amigo. O mesmo também vale para roteiristas que podem desengavetar um projeto e produzir audiovisuais de baixo custo”, complementou Urbano.
Finalizando, eles aproveitaram para comentar sobre o uso da ferramenta em suas agências. Janaína revelou que já é possível utilizar a tecnologia para avaliar e formar equipes.
“A tecnologia está a serviço dos profissionais para facilitar processos, imprimir agilidade, conectar pessoas. São muitos os impactos da tecnologia no nosso dia a dia, mas ela não é um fim e sim um meio. Com isso a avaliação dos resultados não pode ser feita apenas olhando para a tecnologia e sim para o processo como um todo das nossas entregas”, disse.
Comentando o rendimento do software, Urbano falou sobre a utilização de I.A. na criação de peças.
“Tem sido interessante esse aprendizado, ver como é curioso que a primeira resposta das ferramentas é muito ruim, temos imagens de mãos deformadas, pessoas sem expressão facial, textos onde percebemos sempre uma estrutura padrão muito parecida. Tem que malhar bastante até ficar bom e, depois, ainda precisa ter crivo para saber se o resultado é satisfatório ou não” revelou.
Processo ético
Nesta segunda-feira (10), o Conselho Nacional Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) instaurou um processo ético para apurar a propaganda da Volkswagen.
Em nota, a entidade questiona se o uso deepfake e de inteligência artificial para ‘trazer uma pessoa falecida de volta à vida’ é ético. O comercial foi denunciada pelo advogado Gabriel de Britto Silva e pede a interrupção da veiculação do anúncio e a advertência pela peça publicitária.
Na ocasião, o advogado cita os artigos 27 (“O anúncio deve conter uma apresentação verdadeira do produto oferecido”) e o 34 (“Este Código condena a publicidade que […] ofenda […] outras suscetibilidades daqueles que […] sejam de qualquer outra forma relacionados com pessoas já falecidas cuja imagem […] figure no anúncio”) do Código do Conar para embasar a denúncia.
Segundo a Conar, o pedido será julgado nas próximas semanas por uma das Câmaras do Conselho de Ética do conselho. O julgamento deve ser realizado em 45 dias depois da abertura da representação.
Confira a nota da Conar na íntegra:
“O Conar abriu hoje, 10 de julho, representação ética contra a campanha ‘VW Brasil 70: O novo veio de novo’, de responsabilidade da VW do Brasil e sua agência, AlmapBBDO, motivada por queixa de consumidores.
Eles questionam se é ético ou não o uso de ferramenta tecnológica e Inteligência Artificial (IA) para trazer pessoa falecida de volta à vida como realizado na campanha, a ser examinado à luz do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, em particular os princípios de respeitabilidade, no caso o respeito à personalidade e existência da artista, e veracidade. “
Adicionalmente, questiona-se a possibilidade de tal uso causar confusão entre ficção e realidade para alguns, principalmente crianças e adolescentes.
A representação será julgada nas próximas semanas por uma das Câmaras do Conselho de Ética do Conar, garantindo-se o direito de defesa ao anunciante e sua agência. Em regra, o julgamento é efetuado cerca de 45 dias após a abertura da representação.
O Conar aceita denúncias de consumidores, assim como outras manifestações sobre a peça publicitária, bastando que sejam identificadas. Em obediência à LGPD a identidade dos denunciantes é protegida.”