Portal Umbu entrevistou a jornalista e apresentadora Val Benvindo para analisar a necessidade de permanecer buscando melhorias
Carregado de significado, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra será, pela primeira vez, feriado nacional, após uma trajetória de 53 anos desde sua concepção. Agora como parte do calendário de datas comemorativas oficiais, há quem pondere: qual a importância dessa decisão?
Oliveira Silveira, Vilmar Nunes, Ilmo da Silva e Antônio Carlos Côrtes. Universitários gaúchos que contestavam a legitimidade do dia 13 de maio, data que marcou, em 1888, a abolição da escravatura no Brasil, como marco de celebração para os negros. Os estudantes estavam reunidos com outros 8 membros do Grupo Palmares, em 1971, quando, após a identificação do dia 20 de novembro como data de morte de Zumbi do Palmares, propuseram uma mudança.
Naquele mesmo ano, foi comemorado, pela primeira vez, o Dia da Consciência Negra, surgida como data análoga ao Tiradentes, com o intuito de celebrar a comunidade negra e suas contribuições para o Brasil. De acordo com o Geledés, dois anos depois, o questionamento do grupo gaúcho virou notícia nacional. “Esse foi o momento mais glorioso da história do povo negro no Brasil e, infelizmente, nossa historiografia o diminui no tempo e até na apresentação dos fatos principais”, dizia Oliveira Silveira ao Jornal do Brasil.
Um marco era criado em meio à ditadura militar. Resistência, ancestralidade e memória se encontravam neste dia, homenageando o líder do Quilombo dos Palmares, aquele sucumbiu em uma emboscada em 1695. A defesa desta data em contraponto ao 13 de maio chega em 1978, com o Movimento Negro Unificado reivindicando o dia como celebração nacional.
A formalização do Dia Nacional da Consciência Negra chegou em 2003, durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, mas como efeméride escolar, com a Lei nº 10.639, de 9 janeiro de 2003, que versa sobre a inclusão da o ensino obrigatório da “História e Cultura Afro-Brasileira” como parte do currículo oficial de toda a rede de ensino, pública e privada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Apenas em 2011, primeiro ano do governo Dilma Roussef, foi que a data foi instituída como data comemorativa. Após 6 anos entre a proposição do projeto de lei, em 2017, a aprovação do Senado, em 2021, e na Câmara dos Deputados, em 2023, o Dia de Zumbi do Palmares e da Consciência Negra se tornou feriado nacional, com sanção do presidente Lula, em seu terceiro governo, à Lei nº 14.759 de 21 de dezembro de 2023.
A decisão foi bem aceita pela população, que encarou com naturalidade a nacionalização da data no país em que 55,4% da população se identifica como negra (preta ou parda), segundo Ministério da Igualdade Racial com base no Censo 2022. No entanto, a medida pede reflexão.
Em entrevista ao Portal Umbu, a jornalista e apresentadora Val Benvindo foi indicou que apesar dos avanços sociais digno de comemoração, ainda há muito a ser feito para que a população negra alcance melhorias reais. “A gente tem que celebrar tudo que a gente conseguiu até aqui, mas tem que entender que precisa caminhar uma longa estrada ainda para chegar num lugar de equidade”, analisou.
Neta de Hilda Jitolu, fundadora do terreiro onde nasceu o Ilê Aiyê, Val cresceu cercada por referências na luta por igualdade e na reivindicação de direitos e relembra: “O Movimento Negro parava a cidade e isso virava um assunto. Gostando ou não, as pessoas sabiam, entendiam e tinham que vivenciar a nossa luta da maneira que fosse, pedindo reparação e lutando pelos nossos direitos”. “Quando isso vira um feriado, eu entendo que muita gente também vai aproveitar para ir à praia, viajar, para ser um dia de descanso como tantos outros feriados. Mas eu também entendo que é muito importante que o 20 de novembro seja como o 7 de Setembro, como o dia 15 de Novembro, como o Tiradentes, por exemplo, que a gente se questiona o porquê do 21 de Abril ser feriado”.
“Neste momento, faz sentido o 20 de Novembro se tornar um feriado nacional. Cabe também a nós, enquanto cidadãos, pessoas pretas atuantes em cada área que a gente está, não deixar que essa data caia no mesmo lugar do 21 de abril, por exemplo. Na Bahia temos o 2 de julho, que é tão importante quanto o 7 de Setembro, talvez até mais, porque os baianos não deixam que essa data morra. Uma data cívica, mas também popular”, concluiu Val.
O chamado à reflexão nesta data, bem como de instrução e mobilização, como salientado pela entrevistada, foi coaduanada no Senado na terça-feira (19), por Paulo Paim (PT-RS), senador que foi relator do projeto de lei que culminou com a instituição do feriado. Em sessão especial, ele declarou que garantir o exercício pleno da cidadania também é combater o racismo e a exclusão, reduzindo as desigualdades. Ele defendeu a manutenção de políticas inclusivas de educação, a exemplo da instituição das cotas nas universidades públicas e no serviço público, Previdência Social justa, emprego digno, salário decente, bem como a presença da história e do estudo da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas brasileiras. Conforme publicado pela Agência Senado, a diretora-geral do Senado, Ilana Trombka, ressaltou ainda que o dia 20 de novembro deverá servir para a “nação refletir onde está e para onde deseja ir”.